(...)
Para ter algum préstimo, a Academia (das Ciências de Lisboa) devia denunciar a verborreia que de facto usamos e não devíamos.
É recorrente, é fácil, o gozo devotado ao jargão do futebol (o famoso "futebolês", já de si um neologismo imbecil). E o resto? E quem se preocupa com o imenso jargão em que toda a língua parece transformada, repleta de incorrecções semânticas, chavões, vocábulos fora do contexto e puros disparates?
É que não há paciência para a exposição "patente" no "multiusos", a qual, aliás, se "insere" numa "dinâmica" de "cariz" cultural. Não há paciência para autarcas que "fazem cidade" com grande "empenhamento", "nomeadamente", claro, "ao nível" das "sustentabilidades". Não há paciência para médicos que nos mandam "fazer Aspirina" e "fazer gelo" como se fôssemos um laboratório farmacêutico ou uma arca frigorífica. Não há paciência para escritores que "investem" na "vertente" dos "afectos". Não há paciência para cançonetistas cujo último disco "reflecte" determinadas "vivências". Não há paciência para "programadores" televisivos que "apostam" na "multiplicidade" dos "conteúdos". Não há paciência para "vipes" que, talvez para "serem iguais a si próprios", precedem cada grunhido com um "é assim". E não há paciência para governantes que anunciam "desígnios", para deputados que "assumem desafios", e para reles peões partidários que vêem o mundo através da sua "óptica".
Ou seja, "em termos" de Português, não há português em termos. Descemos do idioma de António Vieira a uma babugem retorcida e ridícula.
(...)
Alberto Gonçalves, Sábado (edição de 4 de Maio) pág. 98
No comments:
Post a Comment