Apesar de todo o respeito que parecemos ter por tudo o que está sujeito a perecer, acostumámo-nos facilmente à matança. Beneficiamos de certa maneira desse matança e quase não temos pena das vítimas. Isto não começou com a guerra, já estávamos preparados muito antes de ela começar; só agora parece mais aparente. Não nos retraímos ao ver tantas vidas desaparecerem; nem esses que morreram teriam sofrido alguma coisa se fôssemos nós as vítimas. Não gosto de pensar no que nos governa. Não gosto de pensar nisso. Não é fácil e é perigoso. O menos que nos pode revelar é que os nossos sentidos e a nossa imaginação não são totalmente competentes. O velho Joseph, que, perante a transitoriedade da vida, se opunha ao bater e ao rasgar, disse que lamentava que, com a melhor das boas vontades do mundo, uma pessoa tinha que repartir pelos outros o seu quinhão de escoriações... Escoriações! Que inocência! Sim; ele reconhecia que mesmo os que queriam ser pacíficos não podiam deixar de fustigar os outros. E isto era muito pouco.
Estamos, contudo, como povo, preocupados com a efemeridade; há imensos frigoríficos. Mandam-se gatos de estimação a centenas de quilómetros de distância para serem tratados com soros raros; e os vizinhos de uma aldeia de Arcansas fazem turnos, dia e noite, para salvar a vida de um nonagenário.
Morre Jeff Forman; o meu irmão Amos guarda um arsenal de calçado para o futuro. Amos é bom. Amos não é nenhum canibal. Não pode ouvir dizer que estou em dificuldades, que preciso de dinheiro, que me recuso a preocupar-me com o meu futuro. Jeff, debaixo do mar, está para além da virtude, do valor, do brilho, do dinheiro ou do futuro. Digo estas coisas incapaz de ver ou pensar claramente e o que sinto não é tanto injustiça ou desumanidade como perturbação.
Eu próprio preferia morrer na guerra que consumir os seus benefícios. Irei quando me chamarem e não protestarei. E, é claro, espero sobreviver. Mas antes queria ser vítima do que beneficiar da guerra. Sustento a guerra, embora talvez seja gratuito dizer isto; temos o hábito de fazer com que estas coisas sejam o resultado da moral pessoal ou da vontade própria, o que não são de maneira nenhuma. O equivalente seria dizer que, se Deus realmente existisse, sim, Deus existe. Ele existiria, quer o reconhecêssemos ou não. Mas entre o imperialismo deles e o nosso, se fosse possível uma opinião clara, preferiria o nosso. As alternativas, especialmente as alternativas desejáveis, só crescem em árvores imagináveis.
Sim, eu atirarei, matarei; serei alvejado, e morrerei. Trocar-se-á sangue por meias razões, como em todas as guerras. De qualquer maneira não consigo encontrar um erro contra mim próprio.
Saul Bellow - Na corda bamba - Publicações Dom Quixote (1976) pág.83
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