Thursday, June 29, 2006

Di-gestão


Scott Adams, Expresso (21-10-2004)

Monday, June 26, 2006

La bombe humaine

Je veux vous parler de l'arme de demain
Enfantée du monde, elle en sera la fin
Je veux vous parler de moi, de vous
Je vois à l'intérieur, des images, des couleurs
Qui ne sont pas à moi, qui parfois me font peur
Sensations qui peuvent me rendre fou
Nos sens sont nos fils
nous pauvres marionnettes
Nos sens sont le chemin qui mène droit a nos têtes

La bombe humaine, tu la tiens dans ta main
Tu as l'détonateur juste à côté du cœur
La bombe humaine
C'est toi, elle t'appartient
Si tu laisses quelqu'un prendre en main ton destin, c'est la fin, la fin

Mon père ne dort plus sans prendre ses calmants
Maman ne travaille plus sans ses excitants
Quelqu'un leur vend de quoi tenir le coup
Je suis un électron, bombardé de protons
Le rythme de la ville, c'est ça mon vrai patron
Je suis chargé d'électricité
Si par malheur, au cœur de l'accélérateur
J'rencontre une particule qui m'mette de sale humeur
Oh, faudrait pas que j'me laisse aller
Faudrait pas que j'me laisse aller, non

La bombe humaine, tu la tiens dans ta main
Tu as l'détonateur juste à côté du cœur
La bombe humaine,

C'est toi elle t'appartient
Si tu laisses quelqu'un prendre en main ton destin, c'est la fin

Bombe humaine, c'est l'arme de demain
Bombe humaine, tu la tiens dans ta main
Bombe humaine
C'est toi, elle t'appartient
Si tu laisse quelqu'un prendre ce qui te tient, c'est la fin, la fin

Jean-Louis Aubert, Crache ton Venin (1979) - Téléphone

Friday, June 23, 2006

Português "moderno"

(...)

Para ter algum préstimo, a Academia (das Ciências de Lisboa) devia denunciar a verborreia que de facto usamos e não devíamos.

É recorrente, é fácil, o gozo devotado ao jargão do futebol (o famoso "futebolês", já de si um neologismo imbecil). E o resto? E quem se preocupa com o imenso jargão em que toda a língua parece transformada, repleta de incorrecções semânticas, chavões, vocábulos fora do contexto e puros disparates?

É que não há paciência para a exposição "patente" no "multiusos", a qual, aliás, se "insere" numa "dinâmica" de "cariz" cultural. Não há paciência para autarcas que "fazem cidade" com grande "empenhamento", "nomeadamente", claro, "ao nível" das "sustentabilidades". Não há paciência para médicos que nos mandam "fazer Aspirina" e "fazer gelo" como se fôssemos um laboratório farmacêutico ou uma arca frigorífica. Não há paciência para escritores que "investem" na "vertente" dos "afectos". Não há paciência para cançonetistas cujo último disco "reflecte" determinadas "vivências". Não há paciência para "programadores" televisivos que "apostam" na "multiplicidade" dos "conteúdos". Não há paciência para "vipes" que, talvez para "serem iguais a si próprios", precedem cada grunhido com um "é assim". E não há paciência para governantes que anunciam "desígnios", para deputados que "assumem desafios", e para reles peões partidários que vêem o mundo através da sua "óptica".

Ou seja, "em termos" de Português, não há português em termos. Descemos do idioma de António Vieira a uma babugem retorcida e ridícula.

(...)

Alberto Gonçalves, Sábado (edição de 4 de Maio) pág. 98

Wednesday, June 21, 2006

Prometeu

A lenda tenta explicar o que não se pode explicar; porque vem de um fundamento de verdade, tem de terminar no que não se pode explicar.
De Prometeu conhecemos quatro lendas. Diz a primeira que ele foi agrilhoado ao Cáucaso por ter traído os deuses aos homens e que os deuses enviaram águias que lhe devoravam o fígado que se renovava sem fim.
Diz a segunda que, com a dor das bicadas que o atormentavam, Prometeu se apertou cada vez mais contra a rocha até se tornarem um.
Diz a terceira que passados milhares e milhares de anos a sua traição foi esquecida, os deuses esqueceram, as águias, ele próprio.
Diz a quarta que todos se cansaram do que já não tinha fundamento. Os deuses cansaram-se, as águias. A ferida fechou-se cansada.
Restou o rochedo inexplicável.

Franz Kafka - Contos - Relógio de Água(2005) pág. 41

Tuesday, June 20, 2006

Les mots

            C'est étrange,
            je n'sais pas ce qui m'arrive ce soir,
            Je te regarde comme pour la première fois.
Encore des mots toujours des mots
les mêmes mots
            Je n'sais plus comment te dire,
Rien que des mots
            Mais tu es cette belle histoire d'amour...
que je ne cesserai jamais de lire.
Des mots faciles des mots fragiles
C'était trop beau
            Tu es d'hier et de demain
Bien trop beau
            De toujours ma seule vérité.
Mais c'est fini le temps des rêves
Les souvenirs se fanent aussi
quand on les oublie
            Tu es comme le vent qui fait chanter les violons
            et emporte au loin le parfum des roses.
Caramels, bonbons et chocolats
            Par moments, je ne te comprends pas.
Merci, pas pour moi
Mais tu peux bien les offrir à une autre
qui aime le vent et le parfum des roses
Moi, les mots tendres enrobés de douceur
se posent sur ma bouche mais jamais sur mon cœur
            Une parole encore.
Parole, parole, parole
            Ecoute-moi.
Parole, parole, parole
            Je t'en prie.
Parole, parole, parole
            Je te jure.
Parole, parole, parole, parole, parole
encore des paroles que tu sèmes au vent
            Voilà mon destin te parler....
            te parler comme la première fois.
Encore des mots toujours des mots
les mêmes mots

            Comme j'aimerais que tu me comprennes.
Rien que des mots
            Que tu m'écoutes au moins une fois.
Des mots magiques des mots tactiques
qui sonnent faux
            Tu es mon rêve défendu.
Oui, tellement faux
            Mon seul tourment et mon unique espérance.
Rien ne t'arrête quand tu commences
Si tu savais comme j'ai envie
d'un peu de silence
            Tu es pour moi la seule musique...
            qui fit danser les étoiles sur les dunes
Caramels, bonbons et chocolats
            Si tu n'existais pas déjà je t'inventerais.
Merci, pas pour moi
Mais tu peux bien les offrir à une autre
qui aime les étoiles sur les dunes
Moi, les mots tendres enrobés de douceur
se posent sur ma bouche mais jamais sur mon cœur
            Encore un mot juste une parole
Parole, parole, parole
            Ecoute-moi.
Parole, parole, parole
            Je t'en prie.
Parole, parole, parole
            Je te jure.
Parole, parole, parole, parole, parole
encore des paroles que tu sèmes au vent
            Que tu es belle !
Parole, parole, parole
            Que tu est belle !
Parole, parole, parole
            Que tu es belle !
Parole, parole, parole
            Que tu es belle !
Parole, parole, parole, parole, parole
encore des paroles que tu sèmes au vent


Paroles et Musique: Michaele, M.Chiosso, G.Ferrio 1973

Sunday, June 18, 2006

O sangue

Levando um velho avarento
Uma pedrada num olho,
Pôs-se-lhe no mesmo instante
Tamanho como um repolho.

Certo doutor, não das dúzias,
Mas sim médico perfeito,
Dez moedas lhe pedia
Para o livrar do defeito.

«Dez moedas! ( diz o avaro )
Meu sangue não desperdiço:
Dez moedas por um olho!
O outro dou eu por isso.»


Manuel Maria Barbosa du Bocage

Saturday, June 10, 2006

África minha

«Eu tinha uma fazenda em África...». É esta a primeira frase de uma narrativa que este filme conta com a inteligência de saber mostrar que a primeira frase de uma história é sempre e irrecuperavelmente última de outra coisa.
Eduardo Prado Coelho, Expresso (1980 e tal)

Thursday, June 08, 2006

4 de Janeiro de 1943

Apesar de todo o respeito que parecemos ter por tudo o que está sujeito a perecer, acostumámo-nos facilmente à matança. Beneficiamos de certa maneira desse matança e quase não temos pena das vítimas. Isto não começou com a guerra, já estávamos preparados muito antes de ela começar; só agora parece mais aparente. Não nos retraímos ao ver tantas vidas desaparecerem; nem esses que morreram teriam sofrido alguma coisa se fôssemos nós as vítimas. Não gosto de pensar no que nos governa. Não gosto de pensar nisso. Não é fácil e é perigoso. O menos que nos pode revelar é que os nossos sentidos e a nossa imaginação não são totalmente competentes. O velho Joseph, que, perante a transitoriedade da vida, se opunha ao bater e ao rasgar, disse que lamentava que, com a melhor das boas vontades do mundo, uma pessoa tinha que repartir pelos outros o seu quinhão de escoriações... Escoriações! Que inocência! Sim; ele reconhecia que mesmo os que queriam ser pacíficos não podiam deixar de fustigar os outros. E isto era muito pouco.

Estamos, contudo, como povo, preocupados com a efemeridade; há imensos frigoríficos. Mandam-se gatos de estimação a centenas de quilómetros de distância para serem tratados com soros raros; e os vizinhos de uma aldeia de Arcansas fazem turnos, dia e noite, para salvar a vida de um nonagenário.

Morre Jeff Forman; o meu irmão Amos guarda um arsenal de calçado para o futuro. Amos é bom. Amos não é nenhum canibal. Não pode ouvir dizer que estou em dificuldades, que preciso de dinheiro, que me recuso a preocupar-me com o meu futuro. Jeff, debaixo do mar, está para além da virtude, do valor, do brilho, do dinheiro ou do futuro. Digo estas coisas incapaz de ver ou pensar claramente e o que sinto não é tanto injustiça ou desumanidade como perturbação.

Eu próprio preferia morrer na guerra que consumir os seus benefícios. Irei quando me chamarem e não protestarei. E, é claro, espero sobreviver. Mas antes queria ser vítima do que beneficiar da guerra. Sustento a guerra, embora talvez seja gratuito dizer isto; temos o hábito de fazer com que estas coisas sejam o resultado da moral pessoal ou da vontade própria, o que não são de maneira nenhuma. O equivalente seria dizer que, se Deus realmente existisse, sim, Deus existe. Ele existiria, quer o reconhecêssemos ou não. Mas entre o imperialismo deles e o nosso, se fosse possível uma opinião clara, preferiria o nosso. As alternativas, especialmente as alternativas desejáveis, só crescem em árvores imagináveis.

Sim, eu atirarei, matarei; serei alvejado, e morrerei. Trocar-se-á sangue por meias razões, como em todas as guerras. De qualquer maneira não consigo encontrar um erro contra mim próprio.

Saul Bellow - Na corda bamba - Publicações Dom Quixote (1976) pág.83

Tuesday, June 06, 2006

Teoria da conspiração


Bill Watterson, in Público de 11 de Junho de 1999

Monday, June 05, 2006

Fala do homem nascido

(Chega à boca da cena, e diz:)

Venho da terra assombrada,
do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.

Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.

Quero eu e a Natureza
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.

Com licença! Com licença!
Que a barca se faz ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.

António Gedeão , Teatro do Mundo, 1958

Sunday, June 04, 2006

O eterno retorno

Com eterno retorno, em que se tornou a vida portuguesa, volta a leitura, desta vez com um "plano". Pôr a criançada a ler e o público em geral. Muito bem. A ler o quê? Os "clássicos", dizem. Mas que espécie de "clássicos"? Gil Vicente, Camões, Vieira, Garrett, Camilo, Eça, Oliveira Martins, Cesário, Pessoa? Infelizmente, não há "clássicos" que se possam ler: tirando a poesia (um caso complicado), um pouco de Eça, de Camilo e Oliveira Martins, quanto muito. E o inevitável Júlio Dinis, se conseguir passar por "clássico" e se alguém hoje o aturar. O facto é que a literatura portuguesa é pobre. Ainda por cima, os "protegidos" do "plano" não a percebem: nunca viram grande parte das palavras, tropeçam na sintaxe, ignoram as referências. Pegue, por exemplo, um dos promotores do "plano" em, por exemplo, Viagens na Minha Terra ou A Relíquia e explique o que lá está (um centésimo basta). Gostava de assistir.
Não conheço muita gente, gente da minha idade, que leia, apesar de uma educação tradicional. Porquê? Porque ler implica um esforço: de atenção, de inteligência, de memória. Ler é uma actividade e a nossa cultura é quase inteiramente passiva. A televisão, o DVD, a música popular ou a conversa de computador não exigem nada, deixam a pessoa num repouso imperturbado e bovino. Mudar isto equivale a mudar o mundo. Não se faz com um "plano". Claro que o romance de aeroporto se continua a vender, e bem: não puxa pela cabeça e vai matando o tempo. Talvez que Miguel Sousa Tavares (300 mil exemplares só em Portugal, mandou ele corrigir) e Margarida Rebelo Pinto levem a melhor. O Estado missionário não leva com certeza a parte alguma. Ou leva, leva a uns milhares de empregos para burocratas, bibliotecários, "mediadores de leitura" (um truque novo) e para a tropa fandanga do costume.
José Manuel Fernandes lamenta que os portugueses não leiam jornais, sentimento que do coração partilho. Mas também não existe em Portugal uma verdadeira discussão política (nem no Parlamento). A sério, a sério, não se discute coisíssima nenhuma: nem o regime, nem a ideologia do regime, nem religião, nem moral, nem moral social, nem sequer os deploráveis costumes da tribo. Porque iria um cidadão comprar sofregamente o jornal? E por que raio de lógica ler Eça e Camilo (que, de resto, execravam jornalistas) convenceria um adulto (ou uma criança) da bondade da imprensa? Desde o "25 de Abril", Portugal sofreu uma série infinita de obras de misericórdia, para chegar ao poço. É altura de acabar com a brincadeira.

Vasco Pulido Valente - Jornal Público - de 3 de Junho de 2006

Saturday, June 03, 2006

Os treze anos

Já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro:
Madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.

Já sou mulherzinha,
já trago sombreiro,
já bailo ao domingo
com as mais no terreiro.

Já não sou Anita,
como era primeiro;
sou a Senhora Ana,
que mora no outeiro.

Nos serões já canto,
nas feiras já feiro,
já não me dá beijos
qualquer passageiro.

Quando levo as patas,
e as deito ao ribeiro,
olho tudo à roda,
de cima do outeiro.

E só se não vejo
ninguém pelo arneiro,
me banho co'as patas
Ao pé do salgueiro.

Miro-me nas águas,
rostinho trigueiro,
que mata de amores
a muito vaqueiro.

Miro-me, olhos pretos
e um riso fagueiro,
que diz a cantiga
que são cativeiro.

Em tudo, madrinha,
já por derradeiro
me vejo mui outra
da que era primeiro.

O meu gibão largo,
de arminho e cordeiro,
já o dei à neta
do Brás cabaneiro,

dizendo-lhe: «Toma
gibão, domingueiro,
de ilhoses de prata,
de arminho e cordeiro.

A mim já me aperta,
e a ti te é laceiro;
tu brincas co'as outras
e eu danço em terreiro».

Já sou mulherzinha,
já trago sombreiro,
já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro.

Já não sou Anita,
sou a Ana do outeiro;
Madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.

Não quero o sargento,
que é muito guerreiro,
de barbas mui feras
e olhar sobranceiro.

O mineiro é velho,
não quero o mineiro:
Mais valem treze anos
que todo o dinheiro.

Tão-pouco me agrado
do pobre moleiro,
que vive na azenha
como um prisioneiro.

Marido pretendo
de humor galhofeiro,
que viva por festas,
que brilhe em terreiro.

Que em ele assomando
co'o tamborileiro,
logo se alvorote
o lugar inteiro.

Que todos acorram
por vê-lo primeiro,
e todas perguntem
se ainda é solteiro.

E eu sempre com ele,
romeira e romeiro,
vivendo de bodas,
bailando ao pandeiro.

Ai, vida de gostos!
Ai, céu verdadeiro!
Ai, páscoa florida,
que dura ano inteiro!

Da parte, madrinha,
de Deus vos requeiro:
Casai-me hoje mesmo
com Pedro Gaiteiro.


António Feliciano de Castilho - Escavações Poéticas; 1844

Friday, June 02, 2006

Naturalista

Nós, os naturalistas(*), consideramos que é preferível, de longe, a honra da invenção do que a honra da citação.

(*) Partidários do natural.

Montaigne - Pequeno vade-mécum - Antígona