As comemorações do 5 de Outubro foram marcadas pelo discurso de Cavaco Silva, que escolheu a educação para tema principal. Poderia analisar as palavras do Presidente da República cruzando o que agora disse com o que fez quando era primeiro-ministro. Ou pondo em confronto a crítica à política seguida para o sector, implícita no verbo cuidado de hoje, com o apoio explicitado em actos precipitados de ontem, que tanto serviram a mesma política. Prefiro aproveitar, interesseiramente, o efémero sobressalto que as palavras do Presidente provocaram na consciência do país para, explorando essa sensibilidade passageira, pôr em evidência alguns factos que me parecem relevantes, a saber:
1. Abundaram, nas análises que se seguiram, as habituais retóricas que transformaram o círculo num quadrado. Sócrates destacou-se. Viu no discurso um incentivo ao seu Governo, mesmo que Cavaco tenha considerado uma perda de tempo a desastrosa produção legislativa que o caracteriza e que António Barreto tão bem ridicularizou no último artigo aqui dado à estampa. Mesmo que Cavaco tenha remetido para o limbo do esquecimento a febre tecnológica de fachada, que transformou ministros em vendedores da TMN, e tenha preferido pôr a tónica nos recursos humanos da educação. Mesmo que o Presidente tenha apelado para o envolvimento das comunidades na escola, enquanto o Governo prossegue numa política centralizadora e recuperadora das mais retrógradas lógicas de hierarquia vertical. Mesmo que Cavaco tenha pedido respeito pelos professores, enquanto o Governo tudo tem feito em sentido contrário.
2. Maria de Lurdes Rodrigues e Mariano Gago primaram pela ausência, não ouvindo, de viva voz, o discurso que interessava às áreas que tutelam e foi conhecido com antecedência. Podem assessores debitar justificações evasivas, que não apagam o significado político do facto. Tanto mais quanto é patente, no caso da primeira, a aversão que tem a perguntas incómodas e a inabilidade visceral para resistir a palcos adversos.
3. O apelo do Presidente da República para que os cidadãos e as autarquias aumentem a participação na vida das escolas é apenas mais um, retórico e inconsequente. A realidade pode ser dura, mas não está dissimulada: a maioria não se preocupa com as escolas nem com o que lá se aprende, mas com o diploma. A maioria, tal como o Governo, não se incomoda particularmente com o facto de o sistema gerar analfabetos... desde que os diplome. Participação? A lei vigente prevê, há anos, o funcionamento dos Conselhos Municipais de Educação. Que resultados se conhecem? Quantos funcionam?
4. Se a Escola Pública, que a República democratizou, tivesse logrado formar os cidadãos que almejava, não seria possível termos hoje um desemprego de professores como nunca foi visto; uma precariedade da profissão docente nunca imaginada; um regime de avaliação dos profissionais do ensino injusto, retrógrado, grosseiramente impracticável, que trará o caos às escolas; um Ministério da Educação que não cumpre as leis que cria e é condenado continuadamente nos tribunais, sem consequências de natureza política. Se a Escola Pública tivesse logrado formar os cidadãos que devia, não teríamos um primeiro-ministro a ousar aconselhar os jornalistas a não confundirem os professores com os sindicatos, como se não fosse bem mais expressiva a relação entre estes que aquela que existe entre os filiados do partido político pelo qual foi eleito e os portugueses independentes de qualquer canga partidária! Professor do ensino superior
Santana Castilho, Público de hoje
No comments:
Post a Comment