Sunday, October 28, 2007

Otário na favela (de Paulo Moura)

Caco Barcellos é um jornalista brasileiro que trabalha nas favelas. Já teve programas na televisão, escreveu vários livros. Em Rota 66, investigou os esquadrões da morte da polícia de São Paulo. Em Abusado, mergulha no mundo dos traficantes de droga que operam nas favelas do Rio de Janeiro. Ambos os livros são best-sellers e revelaram o lado mais negro da realidade brasileira. Ninguém, como Caco, tinha alguma vez imergido nos submundos das grandes cidades do Brasil. Nenhum jornalista, nenhum investigador ou mesmo polícia tinha alguma vez conseguido ganhar a confiança dos líderes do mundo do crime, das autoridades marginais dos bairros pobres.

Para espanto de todos, Caco Barcellos, nos últimos 20 anos, praticamente vive nas favelas. Aprendeu os seus códigos de comportamento, a sua linguagem. Teve de convencer os seus habitantes de que não é um "X9" (agente da polícia infiltrado), nem um "vacilão" (cobarde). Mostrou que não "amarela" (ter medo) nos íngremes becos de lama do morro e que não é movido por qualquer interesse desonesto - ou seja, é apenas um "otário" que mora lá em baixo no asfalto.

Para os habitantes da favela, um cidadão honesto é considerado um otário, o que faz algum sentido. Na sua perspectiva, os ricos não são honestos e os pobres que o forem são otários. Caco é um "otário" e não se importa. É, aliás, esse o papel que escolheu e que lhe permite fazer jornalismo independente e sério. Porque é difícil passar tempo na favela e não ser conivente com os crimes que são cometidos todos os dias. Caco explicou isso aos seus interlocutores: se souber que alguém vai ser assassinado, terá a obrigação de avisar a vítima. Se assistir a um roubo, uma violação ou um massacre, ver-se-á forçado a chamar a polícia, a denunciar os culpados. Como resolver este problema?

O repórter encontrou uma solução: não quer conhecer histórias do presente, só do passado. Desde o início, pede a todos que não lhe contem nada do que está a acontecer, do que estão a fazer. Na presunção de que as actividades das personagens que investiga serão pouco recomendáveis, prefere ignorá-las. Essa é a única forma de poder manter o convívio. Já as histórias do passado são bem-vindas. Por mais sanguinárias que se revelem, não há nada a fazer. Estão consumadas. Conhecê-las não faz do jornalista cúmplice.

A estratégia é simultaneamente simples e genial. Permite penetrar subtilmente na radical inocência dos actos humanos. Compreendê-los, sem a interferência do julgamento. O segredo é permanecer um passo atrás no tempo. Olhar tudo a uma certa distância, mesmo estando muito próximo, mesmo estando lá.

Nos primeiros anos, foi duro. Uma barreira de desconfiança impedia o acesso de Caco à realidade que queria conhecer e descrever. Mas depois tudo mudou. Os habitantes da favela perceberam que o trabalho do jornalista não os prejudicava. Antes lhes dava voz e dignidade. E passaram a ser eles a disputar a atenção de Caco, a querer contar as suas histórias, apresentar as suas queixas.

Agora, desde as vielas ensopadas de esgoto do morro da Dona Marta, as crianças costumam correr atrás dele, conta Caco. Meninos de 10 ou 11 anos gritam-lhe, com ar trocista: "Eh, otário! Quer conhecer as histórias do meu passado?"


Paulo Moura, Público de 28-10-2007

Tuesday, October 09, 2007

Analfabetos... mas diplomados (Santana Castilho)

As comemorações do 5 de Outubro foram marcadas pelo discurso de Cavaco Silva, que escolheu a educação para tema principal. Poderia analisar as palavras do Presidente da República cruzando o que agora disse com o que fez quando era primeiro-ministro. Ou pondo em confronto a crítica à política seguida para o sector, implícita no verbo cuidado de hoje, com o apoio explicitado em actos precipitados de ontem, que tanto serviram a mesma política. Prefiro aproveitar, interesseiramente, o efémero sobressalto que as palavras do Presidente provocaram na consciência do país para, explorando essa sensibilidade passageira, pôr em evidência alguns factos que me parecem relevantes, a saber:

1. Abundaram, nas análises que se seguiram, as habituais retóricas que transformaram o círculo num quadrado. Sócrates destacou-se. Viu no discurso um incentivo ao seu Governo, mesmo que Cavaco tenha considerado uma perda de tempo a desastrosa produção legislativa que o caracteriza e que António Barreto tão bem ridicularizou no último artigo aqui dado à estampa. Mesmo que Cavaco tenha remetido para o limbo do esquecimento a febre tecnológica de fachada, que transformou ministros em vendedores da TMN, e tenha preferido pôr a tónica nos recursos humanos da educação. Mesmo que o Presidente tenha apelado para o envolvimento das comunidades na escola, enquanto o Governo prossegue numa política centralizadora e recuperadora das mais retrógradas lógicas de hierarquia vertical. Mesmo que Cavaco tenha pedido respeito pelos professores, enquanto o Governo tudo tem feito em sentido contrário.

2. Maria de Lurdes Rodrigues e Mariano Gago primaram pela ausência, não ouvindo, de viva voz, o discurso que interessava às áreas que tutelam e foi conhecido com antecedência. Podem assessores debitar justificações evasivas, que não apagam o significado político do facto. Tanto mais quanto é patente, no caso da primeira, a aversão que tem a perguntas incómodas e a inabilidade visceral para resistir a palcos adversos.

3. O apelo do Presidente da República para que os cidadãos e as autarquias aumentem a participação na vida das escolas é apenas mais um, retórico e inconsequente. A realidade pode ser dura, mas não está dissimulada: a maioria não se preocupa com as escolas nem com o que lá se aprende, mas com o diploma. A maioria, tal como o Governo, não se incomoda particularmente com o facto de o sistema gerar analfabetos... desde que os diplome. Participação? A lei vigente prevê, há anos, o funcionamento dos Conselhos Municipais de Educação. Que resultados se conhecem? Quantos funcionam?

4. Se a Escola Pública, que a República democratizou, tivesse logrado formar os cidadãos que almejava, não seria possível termos hoje um desemprego de professores como nunca foi visto; uma precariedade da profissão docente nunca imaginada; um regime de avaliação dos profissionais do ensino injusto, retrógrado, grosseiramente impracticável, que trará o caos às escolas; um Ministério da Educação que não cumpre as leis que cria e é condenado continuadamente nos tribunais, sem consequências de natureza política. Se a Escola Pública tivesse logrado formar os cidadãos que devia, não teríamos um primeiro-ministro a ousar aconselhar os jornalistas a não confundirem os professores com os sindicatos, como se não fosse bem mais expressiva a relação entre estes que aquela que existe entre os filiados do partido político pelo qual foi eleito e os portugueses independentes de qualquer canga partidária! Professor do ensino superior

Santana Castilho, Público de hoje

Sunday, October 07, 2007

Adeus tristeza (Fernando Tordo)

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Na minha vida tive palmas e fracassos
Fui amargura feita notas e compassos
Aconteceu-me estar no palco atrás do pano
Tive a promessa de um contrato por um ano
A entrevista que era boa
E o meu futuro foi aquilo que se viu


Na minha vida tive beijos e empurrões
Esqueci a fome num banquete de ilusões
Não entendi a maior parte dos amores
Só percebi que alguns deixaram muitas dores
Fiz as cantigas que afinal ninguém ouviu
E o meu futuro foi aquilo que se viu


[Refrão:]
Adeus tristeza, até depois
Chamo-te triste por sentir que entre os dois
Não há mais nada pra fazer ou conversar
Chegou a hora de acabar


Na minha vida fiz viagens de ida e volta
Cantei de tudo por ser um cantor à solta
Devagarinho num couplé pra começar
Com muita força no refrão que é popular
Mas outra vez a triste sorte não sorriu
E o meu futuro foi aquilo que se viu

[Refrão]


Na minha vida fui sempre um outro qualquer
Era tão fácil, bastava apenas escolher
Escolher-me a mim, pensei que isso era vaidade
Mas já passou, não sou melhor mas sou verdade
Não ando cá para sofrer mas para viver
E o meu futuro há-de ser o que eu quiser


Fernando Tordo

A corrupção do Estado (Vasco Pulido Valente)

A entrevista que João Cravinho deu na última quinta-feira é indispensável para perceber a corrupção. Cravinho diz duas coisas de uma importância crucial, em que esta coluna tem de resto insistido. Primeiro que o grosso da corrupção "se faz", com uma ou outra "entorse" imperceptível, "de acordo com a lei". Segundo, que por isso mesmo a polícia e os tribunais não podem ir longe e só se ocupam de casos menores. No fundo o Apito Dourado e operações do género são um espectáculo, que esconde os crimes de consequência. Com grande coragem, Cravinho explica qual é o problema: e o problema é o de que certos lobbies se apoderaram de "órgãos vitais de decisões" do Estado ou dos departamentos que as preparam. Ou, se quiserem, o de que o Estado se tornou o principal agente de corrupção.

Isto significa que o Estado serve, não o interesse do país, como compreendido por este ou aquele partido, mas sim o interesse do lobbies com mais poder ou influência. E, no entanto, nunca se fala disto, embora toda a gente o saiba ou suspeite, a começar pelo Presidente da República, porque os "negócios" conseguem inspirar um respeito e um temor que, por exemplo, o futebol não consegue e que manifestamente coíbem a imprensa e a televisão. O que se passa no interior de certos ministérios de que depende a orientação da economia nunca chega à rua. Como nunca chega à rua quem perdeu e ganhou com os "projectos", que o Estado autoriza ou financia. Ou quem é e donde vem o impecável pessoal que manda nisso tudo. Ainda anteontem o dr. Cavaco exigiu novas leis para assegurar o que ele chama a "transparência da vida pública". Infelizmente, novas leis não bastam.

Cravinho descreve o "choque" que sofreu com a complacência do PS perante a corrupção do Estado. Sofreria com certeza um "choque" igual, e talvez pior, no PSD. A verdade é que o "bloco central" se fundiu com o Estado. Não existe um Estado independente do "bloco central" e muito menos dos "negócios", que o apoiam e sustentam: da banca e da energia a quatro ou cindo escritórios de advogados. Cravinho, como Cavaco, não percebeu, ou preferiu omitir, que hoje não se trata de reformar uma parte inaceitável do regime, mas pura e simplesmente de mudar o regime. Se por acaso caísse do céu a "transparência" que o dr. Cavaco deseja, metade da primorosa elite do nosso país marchava para a cadeia como um fuso.


Vasco Pulido Valente, Público de hoje

Saturday, October 06, 2007

15 anos a eleger líderes (Eduardo Cintra Torres)

O incidente Santana Lopes/SICN e a eleição de Luís Filipe Menezes para presidente do PSD coincidiram com o 15º aniversário da TV privada. Três temas num só. Começando em Menezes: entre ele e Marques Mendes houve um desequilíbrio televisivo fatal para o segundo. Nos noticiários, cujo discurso é controlado pela selecção jornalística (e não só), Mendes aparecia regularmente, mas Menezes também, ao seguir a estratégia de Lopes: criar «TV opportunities» para tomar posições contrárias a Mendes ou para o criticar. Assim, com a colaboração televisiva, Menezes há muito que se inventou como alternativa a Mendes.

Fora dos noticiários, Mendes esteve em alguns programas de entrevista, de grande tensão e muito controlados pelos entrevistadores, não proporcionando empatia do espectador com os políticos. E Menezes? Estava desde 2004 no Frente-a-Frente da SICN, ambiente mais relaxado e possibilitando essa empatia. Mendes não tinha, e Menezes tinha, um canal de grande liberdade discursiva e de comunicação permanente com os militantes e espectadores. Em resumo: depois de Santana Lopes, Paulo Portas e José Sócrates, Menezes é o quarto líder partidário eleito por causa da televisão.

E o incidente Lopes-SICN? (Ponto prévio: a SICN cortou a entrevista com incompetência, pois para o evitar bastaria o recurso habitual da divisão do ecrã: manteria Lopes falando enquanto mostrava na outra metade a chegada de Mourinho, assim dando os dois eventos em simultâneo.) O caso revelou momentânea presença de espírito de Lopes. A revolta contra critérios editoriais da SICN foi o seu único acto assinalável na campanha do PSD e em nada se relacionou com ela.

O caso permite debater critérios editoriais, o directo e como interromper uma notícia para dar outra. Em teoria é questionável que a chegada dum treinador de futebol interrompa uma entrevista política. Mas não há teoria sem verificação no concreto: o treinador em causa é um dos melhores e mais mediáticos do mundo, regressando à «pátria» depois da mais espectacular saída de um clube de que há memória; existia a hipótese (remota) de ele dizer algo mais importante que Lopes. Este tem há décadas uma presença pertinaz nos ecrãs como comentador de futebol, comentador político (SIC e RTP) e concorrente dum concurso na SIC; inventou-se e reinventou-se para estar sempre na berra mediática, e os media deram-lhe tudo; a sua carreira política fez-se de aparecer na babugem do dia, de dicas erráticas, do diz que diz e não disse, do eu sou assim e eu e eu e eu. Faz o que for preciso para aparecer: se para aparecer for preciso desaparecer do estúdio da SICN, ele levanta-se e sai. De facto: desde Junho que Lopes não aparecia na lista dos 10 protagonistas das notícias televisivas e, por ter desaparecido da entrevista, entrou de rompante para 5º lugar, protagonizando 16 notícias em quatro dias do período de 24 a 30.09.

Invenção da TV, em boa parte da SIC e SICN, Lopes agiu como a criatura em revolta contra o criador. Mas revejam-se as imagens: depois de terminada a ligação ao aeroporto, não só se manteve em estúdio dois minutos (!) como agradeceu repetidamente, como que deixando a porta aberta a muitos e muitos convites futuros para lá voltar.

Mais notável é que tantos milhares, incluindo leitores do PÚBLICO, se congratulassem com o gesto. A asfixia futebolística nos noticiários não gera protestos iguais; não há protestos em massa como este contra 15 minutos de Madail ou Scolari abrindo três noticiários; dois dias depois do episódio Lopes, não se ouviram protestos contra a RTPN por emitir um programa de futebol repetido enquanto a SICN dava em directo a vitória e o discurso de Menezes; também não há protestos quando, nas noites eleitorais, se interrompe um político para dar o ecrã a outro.

Porquê a comoção neste caso? Porque se deu mais importância ao futebol do que à política; porque Lopes fez o mesmo que a SICN, esta usou o directo para o interromper, ele usou o directo para a interromper; porque Lopes pareceu recusar o palco mediático; porque muita gente já não aceita a arrogância da TV em geral de dona de palco, microfone e imagem, ela, sim, a verdadeira treinadora ou seleccionadora de quem é «alguém» no país, incluindo os chefes partidários como o próprio Lopes, Sócrates, Portas ou Menezes.

O caso simbolizou a percepção da TV como arrogante mas em decadência: anos atrás, Lopes não se teria levantado por precisar da TV como fulcro da ascensão política; hoje, com a internet e os muitos canais de TV alternativos, já pode ser «corajoso» pois o seu gesto chega a toda a gente por outros meios: em quatro dias, no you-tube as imagens foram vistas mais de 336.000 vezes.

Acaba um ciclo, ao fim de 15 anos? Hora de balanço: a mudança política e social do país por causa da TV em 15 anos foi bem maior e mais significativa do que a mudança dos conteúdos televisivos. A programação actual, estava, em boa parte, pressuposta nas grelhas da RTP, quase 100 por cento comerciais quando começaram SIC e TVI: já lá estavam as novelas, sitcoms, futebol, concursos, publicidade em intervalos e programas, converseta. Hoje, a RTP permanece a empresa de TV comercial de Estado em concorrência com as TVs comerciais privadas.

As alterações na programação deveram-se à concorrência. O português passou a dominar as emissões, mas o medo de inovar nos conceitos de programas generalizou os formatos estrangeiros em versão lusa; a comunicação tornou-se quase só feminina e, nos últimos anos, a sensibilidade gay entrou em força na TV generalista; grelhas, programas e até rubricas são ditados só pela audimetria; programas com menos audiência, «populares» ou «elitistas», acabam ou empurram-se para horários invisíveis. Tudo isso estava em potência na RTP de 1992; ela lá chegaria sem TV privada.

Ainda por causa da concorrência, atendeu-se mais às escolhas dos espectadores; criaram-se novas elites secundárias, como a dos parasitas do ecrã que vivem de e por aparecerem, mas a abertura de noticiários, concursos e talk-shows a novos protagonistas de fora das elites tradicionais foi bem menor do que aparenta, como prova Felisbela Lopes em A TV das Elites (Campo das Letras, 2007).

A mudança essencial trazida pela TV privada foi a da vida política: a acção política resulta do que a televisão mostra; a acção política faz-se para a televisão mostrar; a crescente dissolução dos partidos deve-se à quase inutilidade das estruturas quando a comunicação se não processa por elas mas pelos media de massas; a importância crescente do protagonista partidário a tal se deve, pois é ele que aparece; os cidadãos participam mais em acções cívicas fora dos partidos porque a TV as mostra e obtêm resultados (estrada, policiamento, fecho de escola, etc.).

A TV não agiu só na vida política mas no próprio sistema político: a abertura das autárquicas às listas independentes resulta da personalização da política e da caducidade das estruturas partidárias enquanto forma única de comunicação entre políticos profissionais, militantes e cidadãos; a eleição directa dos líderes é obra da televisão e faz-se na televisão. Sem a abertura da TV a novos canais nunca Sócrates, Lopes, Portas e Menezes teriam chegado tão facilmente às chefias dos partidos.


Eduardo Cintra Torres (Público de hoje)

Tuesday, October 02, 2007

Chorai, elites (Rui Tavares)

Em geral, as elites portuguesas não se distinguem por nada que tenham feito. Não têm o hábito de se elevar e, em consequência, resta-lhes empurrar o povo para baixo quando ele se chega muito perto. Vejamos, a título de exemplo, as célebres elites do PSD. Joaquim Ferreira do Amaral é elite do PSD. Antigo ministro das Obras Públicas, candidato a presidente da Câmara de Lisboa, candidato à Presidência da República. Foi ele que negociou com a Lusoponte um ruinoso acordo para as travessias do Tejo que teve de ser defendido, nos anos finais do cavaquismo, à força de cargas policiais. Hoje Ferreira do Amaral é o presidente da Lusoponte.
Rui Rio é elite do PSD. O corajoso Rui Rio, o implacável Rui Rio, desejava chegar a líder do PSD. Sabia que teria o partido na mão, se avançasse. Mas decidiu reservar-se para uma ocasião mais propícia e em que desse menos trabalho chegar a primeiro-ministro. Azar para ele. Durão Barroso é elite do PSD. Enquanto líder da oposição não tinha disponibilidade para saber se uma empresa como a Somague pagava dívidas de milhares de contos ao seu partido. Como primeiro-ministro, pediu sacrifícios aos portugueses e deixou o país nas mãos de Pedro Santana Lopes.
Existe a tentação de comentar a relevância da vitória de Luís Filipe Menezes. Mas qual? A relevância ainda não está lá. Há quem diga que Menezes não chega às eleições, há quem diga que ele não as ganha e há quem diga que ainda bem. Para já o que há a comentar não é a relevância da sua vitória mas a relevância da derrota dos seus adversários. Uma implica a outra, mas não são a mesma coisa.
Diz-se que as elites do PSD perderam por falta de comparência ou por acharem que tinham o partido na mão. Ambas as explicações significam isto: as elites do PSD, no fundo, não são tão elites quanto isso. Na tradição nacional, sempre esperaram que o seu lugar lhes fosse guardado e cedido: no conselho de administração como no conselho de ministros. Nos intervalos do poder, escolhiam um caseiro para tomar conta do partido.
Da mesma forma, estes legítimos representantes da respeitabilidade cavaquista continuam a achar que o PSD tem de ter lugar cativo na sociedade portuguesa, apenas porque sim. Sempre desprezaram a ideologia a favor de um suposto monopólio do "saber governar". Fizeram o elogio dos self-made men para depois os acusar de populismo. Fugiram das causas sociais e avisaram o seu povo para se manter afastado do "politicamente correcto". Repetiram durante anos que a iniciativa pública é incompetente e a iniciativa privada virtuosa. Lembraram que se fizermos tudo para beneficiar os investidores e os empresários, o dinamismo do mercado se encarregará de todos. Riram das graçolas de Alberto João Jardim e apresentaram-no como bom exemplo. Aliaram-se a Paulo Portas para governar o país.
Chegaram a eleger Santana Lopes, não em directas, mas num Conselho Nacional. E agora choram: mas este foi o partido que eles fizeram. Historiador

Rui Tavares, Público de hoje