Monday, December 11, 2006

"Psiquiatras, psicólogos e outros doentes"


Saber a que se dedicam os psiquiatras é tão difícil como saber a que se dedicam os psicólogos. Antes de ir ao consultório do meu cunhado Ernesto, eu tinha apenas uma noção muito vaga das funções da psiquiatria. Depois de ir à sua consulta e a mais outras dez ou doze consultas de psiquiatras e psicólogos já nem sequer tenho essa vaga noção. Cheguei à conclusão de que ninguém sabe com muita certeza o que é a psiquiatria ou a psicologia, nem aquilo que as diferencia, e que a principal ocupação de psiquiatras e psicólogos é tratar de averiguar quem são eles e a que se dedicam. É como se o meu pai e eu, em vez de nos preocuparmos em vender elevadores e em melhorar os nossos produtos e serviços, dedicássemos metade do tempo a dissertar sobre a nossa função na sociedade e sobre a história dos elevadores no Ocidente. Bem, na realidade isso é o que faz o meu pai.

Eu nunca perguntei a nenhum psiquiatra ou psicólogo - Deus me livre de semelhante atrevimento - em que consistia o seu trabalho, evidentemente. Mas são eles que sistematicamente se empenham em explicar-me qual é a sua função, quais as sua obrigações, quais os seus desafios na construção de um homem melhor no século XXI. É incrível. Entramos no consultório e, antes de nos perguntarem como estamos ou como nos corre a vida, já nos estão a dizer coisas como: «Um psicólogo não é ninguém importante, é apenas esse amigo com quem nos atrevemos a falar.» Mas quando já estamos há algum tempo com eles, também nos podem dizer coisas como: «Olhe, a minha função como psicólogo não é a de dizer-lhe tudo o que quer ouvir»; ou: «Você engana-se se pensa que eu só estou aqui para lhe passar as receitas.»

Eu creio que no fundo estas pessoas têm um problema de identidade e que todas elas necessitariam de um tratamento psicológico, se eventualmente conseguissem pôr-se de acordo sobre o que isso significa. Pela minha parte, desisti há muito tempo de obter uma ideia clara sobre a Ordem e preferi agarrar-me à ideia que já tinha do psiquiatra como a pessoa que cura as doenças mentais, mesmo que eles não parem de me dizer o contrário, ou o contrário do contrário.

Rodrigo Muñoz Avia, Ambar, 2006 (início do capítulo 3)

3 comments:

addiragram said...

nem mesmo "Eles" estão imunes à patologia narcísica...tal como os médicos também são doentes.
E um 2007 tão lúcido e criativo como este que se finda! Um abraço

Bastet said...

Ah... que saudades de ler pela primeira vez este livro. E nos livros sim, não há leitura como a primeira!

RobertaFrontini said...

Permitam-me de discordar totalmente! Obviamente que um psicólogo ou Psiquiatra pode também sofrer, assim como os médicos não estão imúnes, mas daí a dizerem isso....
Seja como for estpu interessada em ler o livro...