No exame de Português do 9.º ano, os critérios de avaliação permitem que um aluno possa ter dois pontos (em cinco) com "muitas insuficiências" de natureza "ortográfica, lexical, morfológica" e "sintáctica". Ou seja, em última análise, permite que um aluno entre no secundário sem saber escrever. Basta que responda com "palavras soltas", se der uma ideia que percebeu a pergunta e sugerir vagamente a resposta. Não se compreende como um professor consegue adivinhar o sentido de "palavras soltas", com uma ortografia errada, e ainda por cima comparar o mérito, relativo e absoluto, dessas trapalhadas "verbais". Mas, segundo a sra. ministra da Educação, "há uma técnica", certamente miraculosa, para avaliar "competências de leitura e de interpretação". E o primeiro-ministro com certeza acredita.
Toda a gente conhece as mil e uma razões por que as crianças não sabem escrever. Pior do que isso, excepto um ou outro e-mail ou SMS, as crianças não precisam de escrever. Se o Estado suprimisse a disciplina de Português (e já agora o Latim, o Grego, a História e a Filosofia), nem a sociedade, nem o PIB sofriam muito. Suponho mesmo que não sofriam nada. Para a espécie de homem, e de mulher, que por aí crescentemente circula, as "palavras soltas" chegam e sobram. Quem viveu na época em que se escrevia (cartas, por exemplo) aprendeu que escrever é um exercício de investigação e de lógica; um exercício que obriga a definir, ordenar e desenvolver o que se pensa. E também uma tentativa para comover, convencer, informar ou instruir o próximo. A espécie de comunicação pessoal e colectiva que hoje se usa dispensa esse esforço.
Os critérios de avaliação do exame do nosso 9.º ano não passam de um sintoma de uma realidade maior e mais triste: o lento "regresso" do Ocidente a uma nova espécie de barbárie. Nunca se gastou tanto dinheiro em "cultura" e nunca a cultura foi tão universalmente desprezada. A classe média, que desde o século XV foi a sua portadora (e criadora) por excelência, está reduzida a viajar com a penetração de um boi (rico) que olha para um palácio. A linguagem pública (religiosa, política, jornalística, musical, literária, cinematográfica, universitária) empobrece dia a dia. A conversa, como arte, morreu, porque as pessoas não têm que dizer e muito pouco interesse em ouvir. O Estado anda a educar as nossas queridas criancinhas para este mundo. Que outra coisa seria de esperar?
Vasco Pulido Valente, Público de 1 de Junho de 2007